OPINIÃO | Leninismo: política e gestão no século XXI

Publicado por PCdoB

Março 6, 2025

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9 minutos

Tem muita gente boa, honesta e progressista cansada da dispersão provocada por ações que nos dividem, pelo individualismo “ativista” e pela atomização das lutas, mas não enxerga um lugar para se organizarpor Thiago Andrade

Em 2025, o Partido Comunista do Brasil celebra 103 anos de existência, consolidando-se como uma das mais longevas e resilientes organizações políticas do país. Durante mais de um século, enfrentamos perseguições, tivemos debates interditados, fomos declarados ilegais e decretaram nosso fim inúmeras vezes. No entanto, seguimos firmes, nos reinventando e demonstrando nossa capacidade de resistir e construir.

Vivemos uma época marcada pelo avanço da extrema-direita e pelo aprofundamento das desigualdades em escala global. O capitalismo, em sua fase mais agressiva, mostra-se incapaz de atender às necessidades fundamentais da humanidade, recorrendo à repressão, à manipulação ideológica e ao ataque sistemático às organizações populares. Diante desse cenário, torna-se ainda mais decisiva a existência de um partido comunista forte, influente e enraizado nas lutas do nosso tempo, preparado para fortalecer a organização da classe trabalhadora.

A luta em defesa de um Brasil brasileiro e pela soberania nacional ocupa um papel central nessa parte da caminhada, pois o imperialismo segue operando intensamente para garantir a exploração dos povos e países da periferia do sistema e a concentração da riqueza em poucas mãos. A resistência a essa dominação passa, necessariamente, pelo fortalecimento do Estado nacional e de um projeto de desenvolvimento autônomo, popular e democrático.

No Brasil, essa tarefa se ancora na imensa originalidade e potencialidade do nosso povo, cuja cultura, criatividade e capacidade de organização são ferramentas decisivas na construção de um projeto político alternativo ao neoliberalismo e ao neofascismo. A defesa da democracia, nesse contexto, não é um lugar abstrato, mas um campo concreto de luta onde o adversário de classe pode ser obrigado a recuar.

Trata-se de um terreno essencial para a organização popular e a conquista de direitos, onde os trabalhadores podem acumular forças para avanços mais profundos. A luta pelo fortalecimento da democracia está diretamente vinculada à melhoria imediata das condições de vida do povo.

Nenhuma estratégia revolucionária pode prescindir da luta pelo salário digno, pela redução da jornada de trabalho, pelo acesso à saúde e à educação, pelo direito à moradia e por um sistema tributário mais justo.

A radicalidade da transformação social está, portanto, na elevação da qualidade de vida da classe trabalhadora, no enfrentamento às desigualdades e no esforço para formação de um novo bloco histórico, de comando popular, para o futuro do Brasil, superando o nublado horizonte do campo democrático.

Essa luta se aproxima de um momento decisivo com as eleições de 2026. A extrema-direita, já derrotada eleitoralmente em 2022, busca reorganizar suas forças, instrumentalizando o medo, o ódio e as fake news para retomar o poder e aprofundar seu projeto de destruição nacional. Contra esse perigo, nossa resposta deve ser a organização, a mobilização popular e a unidade de forças políticas e sociais heterogêneas, lideradas por uma visão de mundo nacional, democrática e popular.

A disputa eleitoral não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como parte de uma estratégia mais ampla de transformação social. É hora de erguer nossas bandeiras, reafirmar nosso compromisso com a soberania do Brasil, a democracia e os direitos do povo.

Ao lado da disputa eleitoral e para ampliarmos nossa confiança junto a sociedade e ao eleitorado dos grandes centros, o compromisso para o revigoramento partidário precisa ser renovado.

Ensina a tradição da nossa corrente que, debatida e resolvida a política, o essencial é transformar as ideias em força material, ou seja, organizar e gerir concretamente a política no mundo real. Colocar a linha política sob o crivo da prática.

Esse desafio, tão relevante quanto a formulação teórica, foi enfrentado por Lênin com uma capacidade absolutamente original e inovadora. A criação do partido revolucionário de novo tipo constitui uma das maiores contribuições à história política mundial, estabelecendo um padrão de organização coletiva e solidária que, até hoje, influencia a luta política em diversas partes do mundo.

Para o sucesso do grande empreendimento humano que é construção e a gestão do partido de novo tipo, o patriota e dirigente comunista português, Álvaro Cunhal, em seu clássico e necessário O partido com paredes de vidro, de 1985, deixou lições valiosas, dentre as quais, essa que destaca o papel de quem lidera:

“O trabalho de direção envolve assim grandes responsabilidades, múltiplas competências e latos poderes. É essencial que o seu exercício seja conforme com os princípios orgânicos do Partido e, em particular, com o respeito à democracia interna e com a concepção do trabalho coletivo. Dirigir não é mandar, nem comandar, nem dar ordens, nem impor. É, antes de tudo, conhecer, indicar, explicar, ajudar, convencer, dinamizar.”

Essas palavras traduzem com precisão a essência do leninismo como ferramenta organizativa: direção coletiva, ligação viva com a base, capacidade de traduzir a tática geral em prática política concreta. Não se trata de um formalismo, mas de uma concepção vital para a construção de organizações revolucionárias sólidas e enraizadas na realidade. O verdadeiro dirigente não impõe, mas escuta, compreende e dinamiza a atuação de sua organização de maneira eficaz e democrática.

Essa concepção, nascida no seio da revolução bolchevique, segue demonstrando sua relevância ao longo do tempo.

O nosso entendimento sobre gestão é a demonstração objetiva do abismo que nos separa dos gestores e tecnocratas neoliberais e, hoje, dos coachs e outros tipos de “influenciadores” que tentam enganar quem batalha oferecendo soluções individuais a partir da mudança de “mindset”.

A experiência do Partido Comunista da China exemplifica, em larga escala, a vitalidade do conceito leninista de gestão. Seu modelo de funcionamento interno, o centralismo democrático, aliado à elaboração de planos de curto, médio e longo prazo e à aplicação de modernos instrumentos de gestão estratégica, permite que o partido lidere um país de mais de um bilhão de habitantes, promovendo avanços expressivos na economia e na qualidade de vida da população.

O PCdoB construiu, ao longo de sua trajetória, um modelo organizativo adaptado às condições nacionais, unindo a disciplina militante às expressões festivas e vibrantes da nossa gente.

Nossa história é marcada por acertos e desafios nessa constante busca para garantir um ambiente partidário receptivo e transformador a quem se vincula ao nosso projeto.

Em diferentes momentos, tivemos, por exemplo, forte inserção na vida cultural e intelectual do país, com figuras como Jorge Amado e Patrícia Galvão em nossas fileiras, assim como enfrentamos períodos em que, por contingências históricas e por uma postura mais sectária, a integração de novos militantes tornou-se mais difícil e restritiva.

Hoje, o grande desafio é organizar a multiplicidade de lutas atuais em torno de uma perspectiva unificada e com identidade clara, sem perder de vista a pluralidade de experiências e trajetórias que compõem o campo progressista brasileiro.

O centro é colocar foco e ênfase nas pautas que agregam e dialogam com uma parte maior e mais ampla da sociedade: o compromisso inabalável com os interesses da classe trabalhadora, a luta democrática-antifascista e a construção de uma política de alianças ampla, guiada pela defesa da justiça social e da soberania nacional.

É em torno desses eixos que devemos atrair, organizar e mobilizar politicamente quem quer lutar.

Tem muita gente boa, honesta e progressista cansada da dispersão provocada por ações que nos dividem, pelo individualismo “ativista” e pela atomização das lutas, mas não enxerga um lugar para se organizar.

Essas pessoas precisam encontrar uma organização aberta, com planejamento claro e sabendo em que posição podem “jogar melhor” para ajudar o projeto coletivo. Um espaço que potencialize a consciência coletiva e militante, o engajamento e a combatividade.

A gestão partidária, assim como a política, não pode ser anacrônica ou dogmática. É preciso articular dialeticamente o fazer partidário leninista com o que existe de mais novo na gestão de pessoas, projetos e na psicologia social e do trabalho. O planejamento estratégico, a avaliação e acompanhamento de resultados, a alocação correta de lideranças e o uso inteligente da tecnologia devem ser incorporados de forma criativa no cotidiano da militância.

O leninismo não é apenas uma teoria política, mas um legado de eficiência organizativa. Os princípios da gestão compartilhada, da direção coletiva e do planejamento centralizado com execução descentralizada são compatíveis com as melhores práticas de gestão contemporânea.

O 16° Congresso Nacional do PCdoB será mais uma oportunidade para debater e aprimorar nossa posição política e estruturação, garantindo que a gestão partidária seja mais eficiente, inovadora e conectada com o povo brasileiro.

A história nos ensina que não basta ter as ideias certas: é preciso organizá-las, estruturá-las e transformá-las em ação concreta. No fim das contas, essa é a grande lição do leninismo.